Um filme bem intrigante, síntese de muitas coisas vividas, sentidas e percebidas. Coisas novas também se agregaram e afloraram ainda mais as “sen´s”*. É noite, o clima está ameno e como não poderia deixar de ser, uma brisa me envolve. Faço uma boa caminha até o shopping para cumprir uma missão. Chego lá e entro num repente, sem olhar pros lados. Subo direto para a loja onde tenho que pagar a conta. Ela está lotada, gente com pilhas de roupas nos braços, crianças correndo, mães gritando...
Pergunto a moça onde posso efetuar o pagamento, sigo sua instrução e para isso subo por uma escada que parece arquitetada no nada. Faço a besteira de olhar para baixo, vejo todas aquelas pessoas perambulando lá e me vem a primeira vertigem. Cumpro a missão com louvor. É hora de sair desse antro. Desço a primeira escada, deparo-me com a lotação da loja, procuro desesperadamente a segunda escada, a saída. Em vão. Angustio-me, ando em círculos pela loja, crianças esbarram em mim e me enchem de vontade de espancá-las. Esbarro nas pessoas e é como se acordasse pra realidade e me visse, como uma louca, nos olhos delas, me cubro de vergonha. Agora é uma arara cheia de cabides, na minha ânsia de achar a saída, giro em torno de mim. Esbarro!!! O rapaz me olha assustado!!! Peço desculpas toda sem jeito. O outro diz: tá louco? Penso ser pra mim. Segunda vertigem.
Finalmente encontro a saída. Infelizmente não é direto pra rua. Preciso ainda passar por todo o shopping. Saiu num passo apressado que chama atenção de todos, a segurança da loja me olha assustada e espera que os detectores apitem quando eu passar, o rapaz sentado no banco em frente também me olha com espanto. Passadas firmes e largas. Outra criança esbarra, quase lhe derrubo propositadamente. Passadas firmes e largas, mas sem direção certa. Perco-me lá dentro. Terceira vertigem. Quando noto que não sei onde é a saída, fico tonta, quase caiu na descida de uma rampa. Raiva! Passadas mais firmes, mais largas. Desnorteada. Ufa!!! A escada! Desço correndo, o homem se afasta assustado.
Agora a saída! Pico de ânsia. Ponho os pés pra fora, é como se a válvula liberasse a pressão. Sento-me num banco e enfim, o alívio. Consigo respirar com tranqüilidade, o coração quase volta ao ritmo normal. Tomo consciência do ocorrido, da perda de controle e o mau humor me consome. Pego o ônibus, trocador não tem troco e faz questão de me dizer isso com todo o seu desprezo. Atiça minha raiva e meu mau humor. Quarta vertigem. Sento-me na cadeira a seu lado e fico remoendo tudo, do filme ao seu desprezo. Invisto-me de uma insana vontade de bradar a todos ali, com algumas “verdades”. Surge a dor de cabeça, na fronte e na nuca esta, resultado da pressão alterada. Ouço alguém dizer: esse aí tem cara de marginal mesmo. Emputeço-me, reviro-me na cadeira, as “verdades” chegam até a boca. Quinta vertigem.
Como pode? Desde quando ser marginal é biológico? Será que ela não percebe? Ela, eu, todos nós é que fizemos dele um marginal. Puta que pariu! Será que ninguém percebe que somos condicionados? Parece que o problema não é com ela, não é dela. Porra! Se ela faz aqui ressoa lá, se ela tem demais aqui é porque falta lá. Os gritos ecoam somente dentro de mim. Passo a roleta, chega minha parada, desço do ônibus, caminho até em casa. Outro alívio e a sexta vertigem.
Quando percebo o nível de descontrole a que cheguei pelo simples fato de ir ao shopping lotado, surgem os resquícios: enjôo, desconforto, tonturas, mais mau humor, dor na cabeça, vista embasada... Amanhã farei nova empreitada, desta vez não estarei sozinha e espero que não fiquem resquícios, a não ser os do filme.
Fortaleza, 28 de dezembro de 2005 – 02:22
*Uma síntese de palavras, com o mesmo radical, que são minhas guias. Sensações, sentimentos, sentidos, sensibilidades...